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A fotografia de natureza tem vários desafios e um dos que mais me empolga é o registro de fluxos de água corrente. Seja para borrar ou congelar o movimento da água são necessárias estratégias para chegar ao efeito desejado. Eu particularmente não curto a segunda opção mas suavizar o movimento da água com tempos de exposição mais longos é algo que eu adoro fazer. Não sou especialista, longe disso, mas depois de praticar um pouco eu aprendi algumas técnicas e pretendo compartilhar aqui algumas dicas de fotografia de como tirar fotos de água em movimento.

Cachoeira Skogafoss - Islândia

Cachoeira Skogafoss – Islândia

Esse efeito é alcançado usando longa exposição, isto é, tempo de exposição longo o suficiente para borrar a água. O tempo de exposição necessário para obter este resultado não é fixo, depende do caminho percorrido e da velocidade de movimento da água. Um tempo de 10 segundos, por exemplo, pode ficar muito bonito em uma cachoeira mas não em outra. Chegar ao valor do tempo exige conhecimento e para várias fotos um pouco de tentativa e erro até chegar no efeito desejado.

Cachoeira da Piabinha, em Mucugê, na Chapada Diamantina - Bahia

Cachoeira da Piabinha, em Mucugê, na Chapada Diamantina – Bahia

Equipamento

Para fotos de movimento de água em longa exposição eu uso câmera, lente, tripé, disparador remoto e filtros (densidade neutra e polarizador). Os dois primeiros são óbvios, pois sem eles não há foto. O tripé eu uso para evitar da foto ficar tremida, pois os tempos necessários para dar o efeito desejado são maiores que aqueles em que uma pessoa normal consegue manter a câmera estável equilibrando apenas nas próprias mãos. Melhor não arriscar. O disparador remoto eu uso porque ao apertar o botão de disparo com o dedo eu arrisco fazer a câmera mexer e assim eu posso perder nitidez também.

Eu uso o filtro de densidade neutra (ND filter) para diminuir a quantidade de luz que alcança o sensor, podendo assim usar tempos de exposição mais longos sem comprometer a exposição. Quando a iluminação está forte (meio de um dia aberto, por exemplo) mesmo colocando o menor ISO e a menor abertura de diafragma pode ser que o tempo de exposição não seja longo o suficiente. Ao colocar o filtro ND na frente da lente eu posso aumentar o tempo de exposição e o quanto eu posso aumentar depende da força do filtro (tem até de 10 f-stops). A foto abaixo foi tirada no meio de um dia de sol e sem o uso do filtro ND eu não conseguiria chegar aos 15 segundos de exposição que eu usei para fazê-la.

Cachoeira do Riachinho na Chapada Diamantina - Bahia

Cachoeira do Riachinho na Chapada Diamantina – Bahia

O filtro polarizador eu uso para diminuir reflexos na foto e também cortar a passagem de luz, já que ele consegue “escurecer a cena” em até 2 f-stops. Eu já escrevi um post explicando como usar o filtro polarizador para eliminar reflexos na água e a foto abaixo, tirada nas Blue Pools na Nova Zelândia, foi usada como exemplo.

Blue Pools, perto de Wanaka - Nova Zelândia

Blue Pools, perto de Wanaka – Nova Zelândia

Em relação aos filtros, é recomendado comprar um de boa qualidade. Em diversos sites há avaliações desses filtros para descobrir quais comprar de acordo com sua disponibilidade de investimento. Imagina se você gasta muita grana para comprar uma lente boa e coloca um filtro de má qualidade na frente, isso seria um desperdício. Os meus filtros são da marca B+W e eu sou muito contente com o resultado do uso deles. Os modelos que eu uso são de enroscar na frente da lente.

Preparação inicial

A primeira coisa que eu faço é definir a composição, ou seja, que objetos eu vou colocar na foto, e já deixo de uma vez a câmera posicionada no tripé. Em seguida eu coloco a câmera em modo manual para eu ter completo controle sobre a exposição e depois coloco o ISO no valor mais baixo possível da minha câmera (100). Eu também sempre deixo a câmera configurada para gravar as fotos em formato raw para que a imagem tenha a maior quantidade de informações luminosas possível e eu possa ter mais liberdade para editar a imagem. Antes de pensar na exposição eu também faço o foco de acordo com a cena e deixo o foco no manual para não correr o risco de mudar quando eu for tirar a foto.

Cachoeira do Lajedo no Vale do Pati, Chapada Diamantina - Bahia

Cachoeira do Lajedo no Vale do Pati, Chapada Diamantina – Bahia

Escolhendo a abertura do diafragma

O próximo passo é escolher a abertura do diafragma. Este passo é muito importante porque influencia na profundidade de campo (quantidade de objetos na cena que estarão com nitidez aceitável) e na quantidade de luz que vai alcançar o sensor (quanto maior a abertura mais luz alcança o sensor de uma vez). Eu escolho uma abertura de diafragma que tenha profundidade de campo suficiente para que os elementos mais importantes para mim estejam nítidos. Quanto maior aquele número na abertura (f/11 por exemplo) menor a abertura física e maior a profundidade de campo mas eu procuro não usar aberturas muito pequenas para evitar perder nitidez por causa da difração. Não vou explicar aqui do que se trata mas é um  problema que causa perda de nitidez. Para ter uma profundidade de campo que me atenda e evitar perder nitidez eu normalmente uso aberturas entre f/8 e f/11. Por exemplo, a foto abaixo, da Cachoeira Svartifoss na Islândia, foi tirada com abertura f/11.

Cachoeira Svartifoss - Islândia

Cachoeira Svartifoss – Islândia

A escolha da abertura influencia também no tempo de exposição pois quanto menor a abertura mais tempo o sensor tem que capturar luz para uma exposição adequada. Às vezes eu tenho que diminuir a abertura para conseguir fazer o tempo ficar longo o suficiente mas eu sempre tento escolher a abertura privilegiando a profundidade de campo, que como eu disse antes vai influenciar a nitidez da imagem. Quando eu preciso escurecer a cena para poder usar um tempo maior eu sempre tento fazê-lo usando os filtros citados acima e em último caso eu diminuo um pouco a abertura, mas sempre evitando passar de f/14 ou f/16.

Definindo o tempo de exposição

O tempo de exposição é o intervalo em que o sensor da câmera irá captar a luz da cena. Ele vem marcado na sua máquina como velocidade de disparo (shutter speed) mas eu prefiro usar o termo tempo de exposição porque é o que número significa na realidade. 1/60 segundos, por exemplo, é o tempo que o sensor será exposto a luz e não a velocidade. A escolha do tempo de exposição é, na minha opinião, a parte mais importante para obter o resultado desejado ao fotografar a água em movimento.

Como eu disse antes não existe um valor fixo que funcione para qualquer cena, ele vai depender da velocidade da água e também do efeito desejado. Quando eu comecei a fazer este tipo de foto um erro grave que eu cometia muito era acreditar que quanto mais longo o tempo de exposição, mais legal seria o resultado. A questão é que dependendo do tipo de fluxo de água um tempo muito longo vai fazer com que a noção de movimento da água seja completamente perdida e isso pode arruinar uma foto que poderia ser boa. Na foto abaixo, por exemplo, tirada no Rio Blanco em El Chaltén, o tempo de exposição ficou mais longo que eu desejava para registrar o movimento da água e a textura que representa o movimento da água foi perdida.

Rio Blanco em El Chaltén - Patagônia Argentina

Rio Blanco em El Chaltén – Patagônia Argentina

Ainda nesta questão do tempo de exposição ser muito longo ou não, na minha opinião não existe certo ou errado e sim preferência pessoal. A foto acima não é errada, apenas ficou com o efeito exagerado de acordo com meu gosto pessoal. Você pode gostar sem problema. 🙂 A foto abaixo, por exemplo, que foi tirada no Rio del Diablo próximo a El Chaltén, é um caso em que eu fiz questão de deixar a cena exposta por um tempo mais longo para tirar ao máximo as evidências de movimento da água do rio, dando mais destaque para as pedras que para o rio em si.

Rio del Diablo em El Chaltén - Patagônia Argentina

Rio del Diablo em El Chaltén – Patagônia Argentina

Escolhendo um valor para o tempo de exposição inicial

O que eu costumo fazer é tentar um valor inicial e depois ajustar de acordo com o resultado. Quando eu quero evidenciar a textura do movimento na água eu tento inicialmente algo próximo de 0.6 segundos. Olhem o exemplo da foto abaixo, tirada no Chorrillo del Salto, em El Chaltén, na Patagônia Argentina. No canto inferior direito dá pra ver nitidamente os riscos que evidenciam o movimento da água. Ao tirar a foto eu quis preservar esses riscos e acabei usando uma velocidade adequada para tal. A foto foi tirada com abertura f/11 e 0.4 segundos de exposição. Se eu tivesse usado um valor mais longo a superfície do riacho poderia ter ficado muito lisa, como na foto acima.

Chorrillo del Salto em El Chaltén - Patagônia Argentina

Chorrillo del Salto em El Chaltén – Patagônia Argentina

A foto abaixo do Hollyford River, na Nova Zelândia, também ilustra como uma velocidade naquela faixa (por coincidência tirada a 0,4 segundos como a foto anterior) fez com que eu conseguisse registrar os rastros do movimento da água.

Hollyford River, no Fiordland National Park - Nova Zelândia

Hollyford River, no Fiordland National Park – Nova Zelândia

Quando eu quero borrar muito o movimento da água com uma exposição mais longa eu tento inicialmente um tempo de exposição de 10 segundos ou mais. A foto abaixo, da Cachoeira Selfoss na Islândia, foi tirada com 10 segundos de exposição e eu achei que a superfície suave da água ficou interessante.

Cachoeira Selfoss - Islândia

Cachoeira Selfoss – Islândia

Configurando a câmera com o tempo de exposição desejado

Depois de escolher um valor inicial para o meu tempo de exposição o próximo passo é fazer uma exposição que capture uma boa quantidade de luz com aquele tempo. Imagine, por exemplo, que o tempo que eu escolhi para uma tentativa inicial foi de 0,6 segundos. Consideremos que hipoteticamente eu escolha uma abertura f/11 (e o ISO 100 que eu coloquei inicialmente) e o tempo de exposição que eu julguei adequado para uma boa exposição foi 1/60 segundos. Se eu simplesmente colocar na câmera os 0,6 segundos escolhidos como tentativa inicial a foto ficará superexposta. Eu preciso então dar um jeito de “escurecer a cena” para que eu consiga ter uma exposição com 0,6 segundos.

Ao adicionar o filtro ND de 3 f-stops eu consigo baixar a velocidade para 1/8 segundos, próxima da que eu usei acima na foto do Chorrillo del Salto. Se ao invés de colocar o ND de 3 f-stops eu colocasse o de 10 f-stops eu conseguiria aumentar o tempo de exposição para aproximadamente 16 segundos, que daria um outro efeito na cena “borrando” muito mais o movimento. Se ao colocar o filtro a exposição ficar muito próxima da desejada eu deixo assim mesmo porque para tempos próximos a diferença pode ser pequena no efeito final.

Depois de ter na câmera uma combinação de exposição com abertura e tempo de exposição desejados eu começo a tirar fotos para testar na prática o resultado das configurações que eu escolhi. Eu gosto também de testar outras combinações dos dois parâmetros para verificar o efeito disso no movimento da água.

Cachoeira Dettifoss - Islândia

Cachoeira Dettifoss – Islândia

Qual o melhor horário para tirar fotos de longa exposição?

Esta é uma questão polêmica. Eu tiro fotos de longa exposição a qualquer hora do dia mas se puder escolher um horário para ter uma luz melhor (como perto do amanhecer ou entardecer) eu vou fazer isso. Uma preferência que eu tenho ao tirar fotos de cachoeiras é fazê-lo sem luz direta do sol porque diminuem os reflexos e as cores da vegetação ficam mais bonitas. Gosto muito de dias nublados ou horários em que algum obstáculo não deixa a luz do sol chegar ao motivo fotográfico.

Uma vantagem de fotografar em dias nublados (ou horários com menor iluminação) é que provavelmente não precisaremos de um filtro de densidade neutra para escurecer a cena. Mas mesmo assim eu recomendo muito o polarizador para tirar os reflexos da vegetação, pedras ou espelho d’água como eu já mencionei antes.

Posso colocar pessoas na foto?

Claro! O problema maior vai ser a pessoa ficar imóvel durante a exposição (se mexer vai ficar parecendo um fantasma :)) mas para valores próximos de 1 segundo, por exemplo, dá pra fazer tranquilo. A foto abaixo, por exemplo, foi tirada com tempo de exposição igual a 0,8 segundos. É bom ficar atento para fazer o foco no que é mais importante na foto. No meu caso aqui eu fiz o foco no Carlito, excelente guia que nos conduziu pelo Vale do Pati na Chapada Diamantina. Ao escolher a abertura f/13 eu consegui que a cachoeira ao fundo também ficasse com nitidez satisfatória para mim.

Cachoeira do Lajedo no Vale do Pati, Chapada Diamantina - Bahia

Cachoeira do Lajedo no Vale do Pati, Chapada Diamantina – Bahia

Espero que gostem desse post pois é algo que eu realmente gosto muito de fazer em fotografia de paisagem e acho muito legal poder contribuir com o pouco que eu aprendi a respeito. Para escrever esse texto eu resolvi focar na questão da longa exposição em si e não entrei em detalhes de outros tópicos citados (profundidade de campo, por exemplo) para não desviar a atenção. Se você tiver interesse em algum desses outros tópicos comente aqui e eu vou tentar falar a respeito nos próximos posts sobre fotografia.

Muitas destas fotos foram tiradas em lugares maravilhosos, como Nova Zelândia, Islândia, Patagônia e Chapada Diamantina. Leia também os posts que já escrevemos sobre estes lugares: